Por Gaudêncio Torquato
A constatação é da ciência política. Carlus Mattus, cientista social chileno, em seu clássico Estratégias Políticas, é enfático: “não é possível combinar sacrifícios econômicos e recessão transitória com crescimento econômico, aumento do emprego e justiça social”. Esse é o dilema que enfrenta o governo ante o quadro do setor de combustíveis, abalado com a greve de caminhoneiros, sob empuxo de empresários e simpatia da população.
O dilema do governo é o de equilibrar os três cinturões que balizam a istração pública: o econômico, o social e o político. O equilíbrio entre eles é responsável pela fortaleza ou fragilidade de ações governamentais. Os campos se imbricam de forma que o sucesso alcançado por um afeta o outro. Tomemos a economia: se gerar resultados de forma a resgatar a confiança dos setores produtivos, a frente política tende a olhar de maneira simpática para a gestão, com consequente aprovação de projetos do Executivo.
A linha adotada pelo governo foi bem sucedida em seus primeiros meses, mas a política de preços dos combustíveis, elogiada nos primeiros momentos e que propiciou loas ao presidente da Petrobras, Pedro Parente, é hoje questionada. Dolarizar o preço da gasolina, ou seja, aumentá-lo ou diminuí-lo na onda do preço do barril de petróleo no mercado internacional, ou a gerar uma gangorra, chegando até duas marcações diárias na bomba. O impacto no bolso de caminhoneiros (autônomos) é simplesmente jogado no colo de um governo que, ao contrário do governo Dilma, não represa preços. O que teria afundado a Petrobras.
Mas a fatura não tardou por vir: forte greve paralisando setores vitais. A nova política de preços – com as concessões feitas pelo governo – motiva outras áreas a fazerem suas exigências. O que se verá mais adiante é um horizonte sombrio, eis que os cofres do Tesouro não arão estender benefícios a torto e a direito, o que quebraria a coluna vertebral que segura a economia. Portanto, o cinturão econômico começa a afrouxar sob a pressão de setores.
Já a área social deseja aumentar o seu PNBF (Produto Nacional Bruto da Felicidade), a partir do bolso com recursos para enfrentar as demandas cotidianas. Se a locomotiva econômica dá sinais de que não tem força para puxar os vagões do trem – normalizando estoques e permitindo o funcionamento regular dos setores e serviços – a ruptura social é o desenho que se distingue a nossa frente. O fato é que a istração não tem tido a capacidade de “fazer com que as coisas aconteçam”, como ensina Bertrand Russel. A rigidez nas contas públicas, meta do governo, começa a perder prestígio no meio da pororoca que carrega as carências e as esperanças do povo.
As elogiadas iniciativas governamentais – teto de gastos, reforma trabalhista, reforma educacional, terceirização, recuperação da Petrobrás e do Banco do Brasil, resgate da credibilidade do país – são, de certa forma, canibalizadas pelas perdas que essa greve de proporções fantásticas provocam no seio social. E se outros movimentos surgirem com pautas reivindicatórias e de difícil atendimento? De onde o governo vai tirar recursos para ajustar os cinturões econômico e social?
Nesse ponto, surge o terceiro cinturão, o político. Que também se apresenta frouxo e esgarçado. Em ano eleitoral, os representantes adotam postura de resguardo, voltando-se, inclusive, contra o governo de imagem impopular. Por isso, não se pode contar com o cinturão político para ajudar o governo a aprovar medidas fundamentais para a paz social. Partidos, grupos, operadores de estruturas disputam espaços de poder e expandem a dissonância interna. Não é improvável termos o pleito de outubro sob o agigantamento popular nas ruas. O momento exige bom senso.